quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Crítica: "Capitão Phillips"

Título original: Captain Phillips
EUA, 2013, 134 min.
Direção: Paul Greengrass
Roteiro: Billy Ray (baseado na biografia Dever de Capitão, de Richard Phillips e Stephan Talty)
Elenco: Tom Hanks, Barkhad Abdi, Barkhad Abdirahman, Faysal Ahmed, Mahat M. Ali, Michael Chernus, Catherine Keener, David Warshofsky, Corey Johnson, Chris Mulkey



"Independente da questão de veracidade na maioria dos fatos, funciona como um verdadeiro exemplo de execução, que consegue a proeza de manter o espectador sempre envolvido com os personagens relatados."


por Leo Bastos

Há pouco tempo, estava lendo uma declaração dos tripulantes do capitão Richard Phillips. Em nota eles reclamavam da imagem heroica que o filme passava do personagem central, alegando que na verdade ele era uma figura bem difícil de lidar, sempre mal humorado e egoísta. Bom, não estou aqui para discutir a veracidade dos fatos. Cinema é cinema. Vida real é vida real. Existem liberdades para se adaptar. O que importa é o quanto elas funcionam como longa-metragem. Então não esperem nessa crítica que eu perca tempo comparando as situações, apenas vou discutir enquanto obra cinematográfica. E aqui, o diretor Paul Greengrass (que já havia demostrado sua competência no gênero em filmes como Vôo United 93 e Domingo Sangrento) mais uma vez chama atenção, auxiliado por sua ótima escolha de elenco, transformam esse projeto em uma experiência bastante sucessiva.

O roteiro foi escrito com base no livro A Captain's Duty, do próprio Phillips. Os acontecimentos se passam durante 2009, onde o capitão (Hanks) durante uma passagem pela costa da Somália - região conhecida por forte presença de pirataria - tem seu cargueiro, o Maersk Alabama, sequestrado por piratas somalis, que são liderados por Muse (Abdi). A partir daí, começa a luta de Phillips por sua sobrevivência e dos seus tripulantes.

Nos primeiros minutos de projeção, Greengrass usa para estabelecer os dois mundos que cercaram toda a narrativa. Dedicando-se a expor de forma simples, mas precisa, o cotidiano de Phillips. Em poucos instantes vemos um rápido diálogo de despedida com a esposa (Keener), que já serve pra demonstrar o carinho e cumplicidade de ambos, além de sua postura dedicada de pai de família. Depois acompanhamos seu desempenho como capitão, ao qual mostra uma entrega tão comprometida quanto. Pronto, já está formado o exemplo de pessoa. Com isso, facilmente já teremos a identificação do público, que contribuirá muito para o sucesso da tensão que trará, já que haverá um apego pelo personagem. Em seguida, também se propõe a exibir um pouco da vida dos piratas somalis. Infelizmente não dá tanto espaço quanto o núcleo de Phillips, o que poderia ser bem mais explorado, por se tratar de uma questão bem mais complexa do que parece. Mas fica a intenção, já que ao menos confere sequências que esboçam toda miséria e falta de oportunidades em que vivem essas pessoas, vítimas do capitalismo. Conferindo uma fotografia regada a cores frias que registram todo o caos e ausência de esperança que orbitam nesse lugar. E mesmo sem ir mais a fundo na questão Somália, fica claro que Greengrass não busca julgar as ações dos somalis, que o público mais egoísta pode facilmente os encarar como “os vilões” da parada, mas sim jogar uma grande discussão em tela, com dois sujeitos de personalidade forte, que lutam para defender seus espaços.

Orquestrando uma execução que confere um clima tenso, que sempre mantém o espectador tão aflito, e preso quanto aos personagens. Pra ter uma ideia dos recursos usados pelo diretor, ao inicio o Maersk Alabama é exibido com um navio altamente espaçoso, em planos abertos e expansivos. Quando ocorre a invasão, eles se fecham, e os espaços mais compactos do lugar são explorados, dando uma sensação cada vez mais claustrofóbica. Clima esse que vai aumentando ao passar do tempo, quando a situação vai ficando ainda mais desesperadora e sem saída. Alternando algumas vezes com o velho truque da câmera tremida, mas vale por ser bem empregada, sempre nas cenas certas, que ainda é preenchida em alguns momentos por um silêncio angustiante ou pela eficiente trilha sonora composta por Henry Jackman, tensa em parte do filme, e emocionante, quando é necessário.

Mas todo o brilhantismo do filme não seria suficiente caso não contasse com a dupla de protagonista e antagonista tão bem definidos. Interpretados fabulosamente por Tom Hanks e pelo estreante Barkhad Abdi, ambos apesar de viverem em contextos diferentes, são guiados pelas mesmas finalidades, proteger suas tripulações.

Hanks, ótimo - maravilhoso, fantástico, desculpem, mas é que sou muito fã desse cara, não resisti - como sempre, confere um olhar exaustivo, mas sempre esperançoso a Phillips. Suas expressões revelam toda a tristeza presente naquele momento, sem precisar de lágrimas, embora que um dos momentos finais, o personagem explode todas as suas emoções em uma espécie de “limpeza de alma” diante o fim daquele pesadelo, que parece não ter acabado de fato. E apesar de ser vítima daqueles piratas, ainda consegue se importar com o destino deles, chegando a imaginar que poderia ser seu filho no lugar de algum deles. Mais uma vez voltando àquela imagem poética do herói, que novamente repito, não vai comparar com a realidade.

Abdi também é sucessivo na construção de seu Muse, um homem carregado pelas dificuldades presentes na sua condição de vida, que apesar de toda a fúria presente nos momentos em que demonstra sua autoridade perante seus companheiros, ainda consegue passar certo carisma, com sua fala mansa na maioria das vezes. Sempre tentando lidar com Phillips da forma mais passiva, embora enfrente a ira de Barkhad Abdirahman (Bilal), que carrega uma amargura ainda mais desenfreada do sistema.

Aliás, esse sentimento de inferioridade aos “privilegiados”, como eles mesmo tentam se referir, predomina entre os somalis, deixando a experiência ainda mais interessante. Principalmente se refletido durantes os minutos iniciais que do ponto de vista que os americanos estão mais preocupados com o prejuízo das cargas, ou na simples volta ao conforto do estabelecido lar, como o Phillips, onde retornaram venerados por uma sociedade que de cara os abraçaram e condenaram os somalis sem a mínima reflexão de sua dura e triste realidade, a única que os aguarda na volta, da qual provavelmente nunca saíram. Refletindo também a equipe de resgate americana, que seu único interesse é trazer o capitão de volta, sã e salvo e sem nenhum arranhãozinho, sem hesitar em executar “os sequestradores”, se for preciso.

(ALERTA DE SPOILER) Assim ao final quando Phillips é resgatado, depois do trágico destino daqueles piratas, a emocionante e comentada cena do choro de desabafo do personagem, encarnada com a enorme sensibilidade de Hanks, mostra que apesar de ser um consolo para o público de ver aquele honrado homem livre daquelas situações (ou para a maioria o “mocinho” salvo dos “bandidos”) isso está completamente longe de ser um final feliz.

Nota: 9/10

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