EUA/Reino Unido, 2013, 120 min.
Direção: Steve McQueen
Roteiro: John Ridley (baseado na autobiografia 12 Anos de Escravidão, de Salomon Northup)
Elenco: Chiwetel Ejiofor, Michael Fassbender, Michael K. Williams, Lupita Nyong'o, Brad Pitt
"McQueen queria fazer um filme com uma temática que Hollywood ignora - e o consegue brilhantemente."
por Bruno Albuquerque
O racismo existe até hoje, e isso é um fato incontestável. Por mais que seja algo ignorado pela população de uma forma geral, a discriminação por pessoas de etnias diferentes causa não só distanciamento social, mas como depressão pessoal por parte de cada afetado. Porém, tal preconceito tem uma origem extremamente estabelecida: a escravidão de negros, que ocorreu há alguns séculos na nossa história. E, de fato, o tema é extremamente ignorado não só pela população, mas como também por Hollywood. Nota-se, por toda a projeção de 12 Anos de Escravidão, que Steve McQueen estava querendo passar uma mensagem - mensagem, esta, que perdura pelas mais de duas horas de longa, com o único intuito de chocar, informar e conscientizar o público sobre as atrocidades inumanas ocorridas na época da escravatura - e estabelecer um paralelo com os dias de hoje.
Apenas imagine o desespero de, sendo um homem livre, casado e com dois filhos, você ser sequestrado e traficado como um escravo, totalmente desprovido da sua incontestável liberdade da qual sempre desfrutara. Desde o começo de 12 Anos, o filme se propõe a não só retratar esse desespero, mas como traçar um comparativo entre a vida de uma pessoa liberta e uma escravizada. A diferença é tremenda - e McQueen não economiza no teor de realidade para retratar sua história: vemos o protagonista ser enforcado, chicoteado, torturado com tábuas de madeira e tendo que ver vários amigos passando pelo mesmo e até sendo mortos. O longa choca por ser cru - principalmente num plano sequência de esmagar o coração de qualquer um, próximo a sua conclusão -, mas se engrandece ao usar isso como artifício para sustentar a ideia que nos quer passar. Tecnicamente no filme não há o que reclamar: o figurino mostra o contraste social entre senhores de engenho e escravos - mas, acima de tudo, entre homem livre e homem aprisionado. Notem como os trapos sem cor, sem vida de Platt se contrapõem ao vinho forte das vestimentas que usa antes de Solomon. A fotografia forte e cheia de cores fortes nos momentos alegres (apenas alguns poucos no longa inteiro), é contrastada pelo quase preto e branco das cenas durante a fase escrava de Solomon. Tudo em prol da narrativa: 12 Anos de Escravidão é um filme sobre contrastes sociais, sobre as diferenças sem sentido que existem entre pessoas com cores de pele diferentes. As atuações são sensacionais: não só Chiwetel Ejiofor como Solomon está incrível - e destaco as cenas em que argumenta sobre a sua liberdade -, mas Michael Fassbender rouba a cena sempre que surge, principalmente em seus momentos de fúria, assim como Brad Pitt, encarnando um simpatizante do abolicionismo que ajuda Solomon no que precisa - e que não a toa se parece fisicamente com Jesus Cristo, já que no enredo do filme ele é o "grande salvador". Também vale mencionar a sensacional interpretação de Lupita Nyong'o, que faz uma Patsey incrivelmente corajosa ao mesmo tempo em que demonstra uma enorme fragilidade, fazendo-se merecer o Oscar de melhor atriz coadjuvante. Porém, 12 Anos de Escravidão não é apenas elogios: há alguns pequenos probleminhas, como a falta de explicação sobre o tempo da narrativa. Se não fosse o título, jamais saberíamos que Solomon foi chamado de Platt por 12 anos - assim como na cena final há um certo estranhamento no reencontro de Solomon com sua família (sendo que o filme termina sem explicar exatamente como ela sobrevivera sem a sua presença). Mas, o mais interessante no filme não é a sua preocupação em funcionar como longa-metragem - mas, sim, em utilizar a 7ª arte como um meio de espalhar sua principal mensagem. Como já dito anteriormente, 12 Anos é um retrato da época em que se passa, um veículo para nos mostrar a hipocrisia das pessoas daquela era ("Por que me castigastes, ó Deus? Que pecado cometi?" pergunta o estuprador, torturador e humilhador senhor de engenho após constatar que sua plantação está sendo atacada por uma praga), assim como o quanto sofriam a classe oprimida. Acima de tudo, o filme foi a maneira que McQueen encontrou para gritar o que sempre quis sobre o assunto - e, principalmente, sobre os efeitos que o mesmo gera na sociedade mundial (sim, não só em um país específico), sendo um problema gravíssimo e que repercute negativamente de maneira massiva.
Intimista, direto ao ponto, de carga emocional surpreendente, de uma crueza inesperada, com uma mensagem certeira e objetivos alcançados com sucesso, além de incrivelmente emocionante. Assim, defino em poucas palavras o provável ganhador do Oscar de 2014: 12 Anos de Escravidão.
|
Nota: 9/10
0 comentários:
Postar um comentário