EUA, 2013, 179 min.
Direção: Martin Scorsese
Roteiro: Terence Winter (baseado na autobiografia O Lobo de Wall Street, de Jordan Belfort)
Elenco: Leonardo DiCaprio, Jonah Hill, Matthew McConaughey, Margot Robbie, Jean Dujardin, Rob Reiner, P.J. Byrne, Jon Favreau, Kyle Chandler
"Scorsese revela estar em ótima forma com um filme que não só se adéqua ao seu 'estilo', mas também se torna memorável pela sua competência cinematográfica, filosófica e por suas tiradas humorísticas sensacionais"
por Bruno Albuquerque
Há certo tempo, fizeram uma votação entre os diretores mais renomados e ainda em atividade no cinema mundial para saber quais eram seus filmes e realizadores favoritos de todos os tempos. Cidadão Kane, Um Corpo Que Cai, entre outros filmes foram citados - e geraram uma competição acirradíssima. Porém, na hora de escolherem o diretor, a votação foi quase unânime: Martin Scorsese foi citado por quase todos, seguido por Stanley Kubrick. E se houvesse alguém que ainda considerava o experiente cineasta apenas pelas suas obras antigas mais famosas, agora tem novos motivos para idolatra-lo: O Lobo de Wall Street não só lembra um dos seus mais famosos filmes, tanto narrativa como tematicamente (Os Bons Companheiros, para quem não sabe) mas como também é original, hilário e cumpre extremamente a sua missão de nos passar determinada imagem dos personagens semi-fictícios ali retratados.
Mas não demos todo o crédito para o Scorsese. O roteiro do filme, escrito brilhantemente por Terence Winter, se destaca pelo seu bom humor, personagens incrivelmente bem desenvolvidos (note a evolução de caráter de Jordan Belfort, comparando suas cenas quando ainda iniciante no ramo e no final do longa, após passar por maus bocados) mas principalmente pela sua mensagem: os personagens retratados são desprezíveis, e isso fica claro em MUITAS cenas (como Belfort transando com a tia de sua mulher, traindo a mesma com diversas mulheres na véspera de seu casamento, tirando sarro de pessoas das quais está prejudicando financeiramente e incentivando seus funcionários a serem tão ruins quanto ele), justamente porque o filme faz questão de nos fazer odiar aqueles seres humanos, de expor a sua natural maldade e escrachar sua malévola ingenuidade perante as diversas atitudes patéticas (e até constrangedoras e perigosas, como a cena em que Belfort quer fugir de casa com sua filha pequena) que cometem. Entretanto, o mesmo roteiro utiliza outro recurso inusitado, porém extremamente funcional , para expor tamanha estupidez em forma de gente: o humor. Colocando os personagens em situações patéticas - como Belfort tentando voltar para casa de carro após ter uma overdose -, o roteiro é eficaz em agradar o público ao gerar risadas quase incessantes, mas também de sempre nos lembrar de quem estamos rindo - e de todas as atitudes ruins que aquelas pessoas cometeram. Destaque para o discurso de Belfort, quando tenta anunciar sua "aposentadoria", onde ele ameaça demonstrar um arrependimento para, em seguida, deixar claro que ele não presta e que jamais irá mudar, simplesmente porque aquilo o faz se sentir bem. E não é só o roteiro do filme que é excepcional em sua composição, desenvolvimento e eficácia: a direção de Scorsese, pra variar um bocado, é precisa, certeira e extremamente inteligente. A começar pelo uso das cores: extremamente sutil, o diretor as usa para nos mostrar a evolução e, as vezes, o estado de espírito dos personagens. Por exemplo: notem como, assim que começa a trabalhar, DiCaprio surge em cena usando ternos cinza claro e, logo depois de começar a praticar suas vendas criminosas, começa a utilizar ternos azuis escuros, algumas vezes até negros. E não só isso: reparem na primeira reunião da Stratton, com alguns poucos empregados, no galpão extremamente espaçoso aonde começam seus trabalhos. A cor predominante é o azul, não só no paletó do protagonista mas como no plano de fundo e nas janelas e portas do escritório novo deles, que surge alguns minutos após esta cena. Além disso, Scorsese também é mestre ao brincar com a narrativa do filme, com narrações em off de múltiplos personagens retratando seus pensamentos, além de quebras narrativas sensacionais, como Belfort corrigindo a cor de seu carro na sequência inicial do longa e, próximo ao fim, quando ele é preso durante o comercial de seus novos serviços, agora como palestrante motivacional. Também é interessante ressaltar as metáforas que o diretor utiliza, principalmente a em que, ao usar cocaína para recuperar seus sentidos, Belfort assiste ao Popeye comer sua icônica espinafre, na televisão. Nas atuações, nem precisa dizer que o destaque é dele: Leonardo DiCaprio destrói em todas as cenas em que surge, sendo bastante difícil eleger a melhor de todas. Mas destaco a cena do barco onde ele conversa com um agente da polícia; a em que ensina a seus sócios como enganar um cliente; quando ele tenta se recuperar de uma overdose repentina; quando seu barco naufraga e quase todos os seus discursos para seus funcionários na empresa. Todas em prol do desenvolvimento do personagem, que age quase como um psicopata. Jonah Hill também está sensacional, incorporando um sujeito desajeitado que tenta bancar o nerd, mexendo em sua voz, fazendo caretas e usando sempre um óculos enorme, numa falha tentativa de esconder quem realmente é. Outro que se destaca é Kyle Chandler, que pouco surge em cenas mas que demonstra um carisma e talento enormes - assim como Matthew McConaughey, que nos faz sair do cinema batendo no peito e cantarolando a musiquinha que interpreta no começo do longa. E isso serve para vocês terem uma noção de como suas poucas cenas são sensacionais: após três horas de filme, você se lembra de determinada cena lá no começo, justamente por conta da carismática e inspirada atuação de determinado ator. Simplesmente brilhante. E, por fim, o que O Lobo de Wall Street tanto tenta passar para seu público não é um longa extremamente simpático e divertido, mas sim que as pessoas más são idolatradas e as boas passam despercebidas perante as outras. Percebam toda a glória que Jordan Belfort recebe, principalmente após sair em um jornal que fala mal dele - e notem a brilhante cena em que o agente de polícia, vivido por Kyle Chandler, volta para casa, após prender todos os envolvidos nos atos de extorsão da Stratton, no metrô, despercebido, sem receber glória nenhuma pela justiça que fez, por ter impedido que criminosos continuassem a ferrar financeiramente a vida de muitos cidadãos e empresas desavisadas. E talvez seja por isso que a duração do filme seja tão longa: Scorsese queria passar para seu público a sua ideia de que aqueles tipos de pessoas são péssimas, que sua atitudes são condenáveis e que não merecem absolutamente nada do que possuem, com isso entupindo-nos de cenas onde os protagonistas usam e abusam de drogas, traem suas esposas (principalmente no trabalho deles, para vocês terem uma noção da insanidade da loucura dos mesmos) e ganham dinheiro em cima da população, ainda por cima tirando sarro da mesma - e isso o mestre conseguiu muito bem (e coloque bem nisso). Mesmo não possuindo toda a inteligência e complexidade e questionamentos filosóficos e análises incrivelmente aprofundadas de personagens como vemos em Ilha do Medo e Taxi Driver, O Lobo de Wall Street possui todo o carisma, agilidade e elementos narrativos de Os Infiltrados e Os Bons Companheiros e mesmo assim ainda consegue se destacar como algo novo. Vale a conferida principalmente por não ser um filme apenas "de história", mas de crítica a determinadas atitudes que podem ser vistas, inclusive, no nosso dia a dia - porém, com outra roupagem, muito mais intimista do que podemos imaginar. |
Nota: 10/10
NOTA DEZ pq esse filme é DEZ mesmo, eu adorei :DDDDDDDDDDD
ResponderExcluirO DiCaprio tá sensacional no filme, e eu gostei muito da condução da história. Não achei longo, porém na última hora parece que o filme vai acabar ~várias vezes~ e aí você acha que tá acabando e não acaba >.~ Mas é um ótimo filme :)
Gostei de você ter ressaltado isso: pessoas más são idolatradas e as boas passam despercebidas. Tem tanto exemplo disso que nem caberia num comentário. :/
Abraço!
Raquel
www.pipocamusical.com.br
Sim, Raquel, o filme é maravilhoso!
ResponderExcluirObrigado pelo comentário, fico feliz por ter curtido meu texto, de verdade :D
Abraço, continue acessando o Kinelogia!
- Bruno.