Brasil, 2011, 94 min.
Direção: Flávio Ramos Tambellini
Roteiro: Flávio Ramos Tambellini, João Avelino, Bruno Mazzeo (baseado no romance Malu de Bicicleta, de Marcelo Rubens Paiva)
Elenco: Marcelo Serrado, Fernanda de Freitas, Marjorie Estiano, Livia de Bueno, Daniela Galli, Thelmo Fernandes, Fabio Lago, Eriberto Leão, Gianni Albertoni Marcos Cesana
"Quando o inimigo mais perigoso está dentro de si mesmo."
por Leo Bastos
É delicioso quando um filme possibilita uma longa viagem na reflexão. Essa livre adaptação do romance de Marcelo Rubens Paiva (ao qual não li) nos faz questionar dilemas próprios e se aproximar de seus dois personagens principais em um delicado estudo (assim como o ótimo Como Não Perder Essa Mulher) orquestrado com eficiência pelo diretor Flávio Ramos Tambellini, que evidentemente teve suas inspirações no cineasta Woody Allen, com sua instigante narrativa, que apesar de demonstrar simplicidade, é mais complexa do que aparenta ser. Porém o fato mais surpreendente é saber que Bruno Mazzeo (sim, ele mesmo, o péssimo comediante) é colaborador no inteligente roteiro assinalado por Tambellini.
Luiz Mário (Serrado) é um empresário mulherengo, que trabalha com a noite paulistana e coleciona casos amorosos. Apesar disto, não consegue realmente se envolver com nenhuma delas. Para fugir de uma desequilibrada que se envolveu, resolve embarcar para um passeio no Rio de Janeiro, onde é atropelado de bicicleta por Malu (Freitas) na ciclovia do Leblon. Eles logo se envolvem e vivem um romance agradável, que vem a ser abalado pelas dúvidas de Luiz em relação à suposta “não fidelidade” da esposa. Focando os primeiros minutos da projeção em abordar a agitada vida de Luiz, nos mostrando seu envolvimento com mulheres que geravam seu desinteresse, vendo o sexo como o único privilégio que elas o ofertavam. Tambellini usa uma montagem frenética e uma leve narração em off - que na verdade serve como uma leitura em voz alta dos pensamentos de Luiz - recurso usado em alguns momentos adiante, auxiliando na narrativa. Com isso o diretor consegue em poucos minutos estampar com clareza o personagem que estamos lidando. Logo em seguida, no meio de uma fuga de Luiz de uma situação incômoda da sua rotina, Malu surge com uma espécie de “luz no fim do túnel” provocando impacto na vida dele logo na primeira aparição, ao atropela-lo acidentalmente de bicicleta – metáfora muito bem empregada que não só faz jus ao seu título, como também a toda narrativa – levando em seguida à imagem de relacionamento perfeito, que é desfeita aos poucos. Ao contrário de render ao machismo típico de focar em um julgamento da mulher pelos seus desejos, Tambellini propõe uma análise das próprias inseguranças e egoísmos do parceiro. Conduzindo a trama a partir do ponto de vista de seu protagonista. Ao começar ficar obcecado pela ideia de “traição” da mulher, Luiz passa a ver nela sua própria imagem, sem perceber que na verdade está se auto-julgando, e não admite pra si que esse incômodo parte por está habituado a tratar suas parceiras como objeto. Além de uma espécie de culpa por ter descartado tantas mulheres tão facilmente, tendo medo de ser descartado da mesma maneira por aquela que finalmente lê despertou um sentimento maior. Que se transforma em posse. Insegurança essa que é demonstrada desde antes de conhecer Malu, onde sentia medo simplesmente de correr o risco de embarca em algo mais extenso com qualquer mulher. Em um dos atos mais desprezíveis do personagem, Luiz tentar transar com outras por vingança à Malu. Colocando o sexo como uma obrigação a lê servir, não por desejo e prazer. Tratando mais uma vez as parceiras como meros objetos ao seu dispor. Assim, sem perceber que essas fraquezas são as verdadeiras vilãs da história, o afastando de Malu. Mérito também de Marcelo Serrado, já que o ator tem uma ótima postura em cena, diferenciando nas expressões do personagem suas duas personalidades, que usa um tom carismático e sedutor quando está em busca de suas vontades e outro desesperado e perdido quando as coisas não saem do jeito que planeja. Malu é uma personagem encantadora e admirável, que ver a felicidade nas coisas mais simples, como andar de bicicleta. Tendo várias amizades (também não é pra menos se tratando dessa beleza de pessoa que é nos apresentado) e grande parte homens, o que gera os ciúmes de Luiz. Fernanda de Freitas constrói sua personagem de forma espontânea, fala animada e quase sempre sorridente, o que contribuem ainda mais para a nossa identificação. O elenco ainda conta com alguns personagens coadjuvantes, que na sua maioria se tornam desnecessários para o filme. Como as pessoas que trabalham com Luiz na casa noturna que mantém. Marjorie Estiano surge em uma participação tímida na maioria das suas cenas, que só vem ter importância no desfecho. Sem dúvida uma das cenas mais interessantes é uma conversa de Luiz com um amigo, onde ele desabafa sobre os tormentos de suas dúvidas sobre Malu, questionando a natureza da “traição”. Em seguida o amigo pergunta se ele gostou de prato que está degustando, ele responde que sim. Logo depois ele pergunta: “você gostaria de comer esse mesmo prato todos os dias?”. Uma metáfora simples, mas que nos leva a pensar de modo geral sobre o julgamento babaca e típico que a fuga da prisão monogâmica pode causar. Buscando ainda inspiração na obra de Machado de Assis (Capitu), visível desde a escolha de contar a história sob o ângulo de Luiz, até o fato de não se preocupar em revelar se Malu matinha outros relacionamentos (além de caminhos trilhados pelo roteiro que perceberam ao longo da projeção), sendo grandes acertos que só ajudam a enriquecer a verdadeira importância da obra. E ainda alterando em alguns momentos sua carga dramática e tensa em momentos cômicos sutis. Em sua direção, Tambellini não dispõe de ambições em relação a enquadramentos e movimentos de câmeras. O que pode ser interpretado com certa preguiça ou falta de experiência (apesar de estar em seu terceiro longa-metragem), mas também por ter uma grande confiança de que seus personagens por si só seguram o filme (será?). Mas um pouco de ousadia não faria de nenhum mal. Malu de Bicicleta é mais uma prova das maravilhas de diversidades narrativas que o cinema nacional dispõe. Um trabalho desafiador, que não se preocupa em ser um romance, mas o relato de um sujeito (imbecil?!) tão preso em seus conflitos internos que não se dá conta da grande chance de ser feliz que está tendo ao lado dessa mulher apaixonante. Nota: 8/10 |
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