EUA/ Brasil, 2013, 120 min.
Direção: José Padilha
Roteiro: Joshua Zetumer (baseado no filme RoboCop, de Paul Verhoeven)
Elenco: Joel Kinnaman, Samuel L. Jackson, Michael Keaton, Gary Oldman, Jackie Earle Haley.
"Sensacional."
por Bruno Albuquerque
Fica até difícil falar algo mais sobre o filme, pois todos os mais respeitados sites sobre cinema do país já o fizeram suficientemente bem. Porém, pela minha enorme admiração por José Padilha, não só por ser um realizador magnífico mas por, também, estar abrindo diversas portas para o Brasil em Hollywood, me vejo na obrigação de expressar o que achei de seu primeiro longa-metragem produzido na terra do Tio Sam: RoboCop, o remake do clássico cult de Paul Verhoeven.
O longa de Verhoeven é sensacional. Trazendo consigo uma crítica social brutal (com menções ao gosto extremamente acéfalo da população por cultura ruim e vazia, claras menções à venda da mídia às grandes corporações – os comerciais de produtos imbecis no meio de telejornais é a prova disso – e como as mesmas conseguem controlar não só a política mas a cidade como um todo), o filme oitentista conquistou mais de uma geração inteira de fãs, sendo relembrado até hoje, principalmente por conta de seu icônico protagonista: Alex Murphy, o RoboCop, que nada mais era do que o ideal de homem americano, justo, dedicado ao trabalho e preocupado com a família. O drama vivido pelo personagem é incrivelmente bem trabalhado, paralelamente às críticas sociais já mencionadas, principalmente pela interação com o público antes e, principalmente, depois do evento que quase o mata (e é interessante reparar como descobrimos bastante sobre ele apenas, depois de já ter sido transformado em robô, quando este volta ao seu passado, revisitando sua antiga casa). Porém, com diversos momentos do filme dedicados aos empresários, suas características negativas e como conseguem controlar absolutamente tudo, o foco do filme acabou sendo mais filosófico e questionador sobre o que acontece no mundo de uma maneira geral do que abordar de forma suficiente o enorme potencial do protagonista que tinha em mãos.
Já o longa de Padilha é inteligente ao focar na retratação do lado de RoboCop que não conhecemos: o humano. Assim como no filme anterior, vemos a vida de Murphy antes do ocorrido que o transforma no policial robotizado – com a diferença de que, no original, vemos apenas a vida profissional dele e, aqui, a pessoal e o que o tornam o homem que é se tornam o destaque. Isso ajuda a vivermos melhor o drama do personagem, conhecendo-o mais profundamente e às pessoas que ama (o que só é abordado no de Verhoeven superficialmente) e a, principalmente, sofrermos junto com ele em uma cena angustiante: a em que, após ser atingido pela explosão de seu carro, Murphy observa em um espelho tudo o que sobrou de si (apenas a cabeça, os pulmões e o coração, no caso).
O filme não é uma maravilha inteira, assim como quase toda super-produção de Hollywood: o personagem de Jackie Earle Haley, além de caricato, desperdiça todo o enorme potencial de seu intérprete, que fez um trabalho fenomenal em Watchmen como o anti-herói Rorschach. Alguns estereótipos acabam por levar o filme a caminhos demasiadamente comuns (leia-se: clichês) inevitavelmente: a esposa de Murphy é extremamente unidimensional, assim como o vilão da trama, que pelo menos é interpretado na medida certa pelo ótimo Michael Keaton.
Independente disso, o filme é só elogios – ainda mais se considerarmos a coragem e perseverança de Padilha em exigir do estúdio aquilo que ele queria (o cineasta conseguiu marcar ensaios com os atores antes das gravações, assim como trazer do Brasil parte de sua equipe técnica). As referências ao filme original estão no ponto, surgindo organicamente durante a narrativa, seja na trilha sonora, seja numa breve fala de algum personagem. O figurino do “metade homem, metade máquina, inteiramente policial” é extremamente funcional: quando a empresa que o financiou começa mandar nele e insiste para apagarem de si toda a sua essência humana, o traje muda de cinza esbranquiçado – que lembra muito o do filme original – para um preto quase militar, para, ao final do filme, quando ele reencontra sua família após voltar ao seu normal, retornar em seu cinza claro.
Assim como aborda temas interessantíssimos, como a intervenção militar norte-americana em territórios estrangeiros e a manipulação midiática (o personagem de Samuel L. Jackson é IMPAGÁVEL, e remete muito ao apresentador de TV de Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora É Outro), mas, acima de tudo, levanta um questionamento filosófico super interessante: o que é ser um humano? O que nos define humanos? Seria a nossa essência, nossa forma e constituição física... ou nossos pensamentos e sentimentos? Murphy é o meio utilizado pelo ótimo roteiro de Joshua Zetumer para estabelecer a abordagem do tema: quando movido pelo coração, RoboCop age instintivamente e guiado, geralmente, pelo amor que sente à sua família. Quando sua mente é apagada e passa a agir única e exclusivamente como um robô, o personagem segue as diretrizes que nele foram implantadas. E como toda boa ficção-científica, o RoboCop de Padilha acerta em cheio no quesito “usar a ciência para falar da natureza humana”: logo no início da projeção, temos uma linda cena aonde um violonista que perdera as mãos volta a tocar seu instrumento, agora com próteses mecânicas. Um detalhe que pode passar despercebido pela maioria é que, quando este mesmo violonista, que até então tocava uma linda melodia sem problemas aparentes, erra algumas notas isso acontece somente após ele deixar seus sentimentos sobressaírem-se sobre si. É nessa cena em que Padilha nos mostra a segurança que tinha sobre o tema abordado e sua opinião sobre. É brilhante.
RoboCop, de José Padilha, é um filme seguro de si, executado cuidadosa e magistralmente e sendo mais uma bela obra no currículo do diretor brasileiro com o maior potencial cinematográfico atualmente.
"Vivo ou morto... você vem comigo!"
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Nota: 9/10
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