Reino Unido/França/EUA, 2013, 98 min.
Direção: Stephen Frears
Roteiro: Steve Coogan, Jeff Pope (baseado na biografia Philomena, de Martin Sixsmith)
Elenco: Judi Dench, Steve Coogan, Sophie Kennedy Clark, Michelle Fairley, Mare Winningham, Barbara Jefford, Peter Hermann, Kate Fleetwood
por Gabriel George Martins
Um tipo de gênero jornalístico que sempre fez sucesso junto ao público foram as "histórias de interesse humano". Geralmente são reportagens que resumem, contextualizam e exploram o valor emocional de um relato, de uma vida. Trazem contos da realidade, narrativas sofridas de pessoas sofridas, prontas a fazer os leitores sofrerem do mesmo modo — se possível, na mesma intensidade.
Mas o interesse humano não se reduz aos jornais e revistas. Extrapola o jornalismo, e alcança a Literatura — arte com a qual as matérias escritas podem se confundir — e a TV (com aqueles montes de programas de auditório sobre casos de família, histórias de vida, testes de fidelidade, etc.). Até o Cinema é atingido frequentemente, com seus "baseado em fatos reais", suas trilhas sonoras lacrimosas, suas interpretações exageradas. O caminho preferível a esses filmes é sempre o de evitar ao máximo se assumir como "história de interesse humano". Algo que pode ser alcançado com mudanças na abordagem, no tom, no foco, na discussão iniciada. Philomena, novo trabalho de Stephen Frears (Ligações Perigosas, A Rainha), é desses casos em que uma história de interesse humano procura se disfarçar a todo custo, revestindo-se reflexões ideológicas. Decorre que, não atingindo por completo o objetivo, o longa se assume como tal, e exibe alguns dos clássicos clichês do tipo. Muito provavelmente porque a obra parte da própria construção de uma história de interesse humano. Martin Sixsmith (Coogan), ex-repórter da BBC e atual centro de um escândalo político, vê sua carreira desandar pouco a pouco. Planeja escrever um livro sobre a História da Rússia, mas não encontra disposição para isso. Sujeito arrogante, ele não tem vontade alguma de escrever matérias de interesse humano. Mas é convencido do contrário pela editora Sally Mitchell (Fairley) e pela história de potencial sucesso de Philomena Lee (Dench, quando velha; Kennedy Clark, quando nova), idosa que há muitos anos teve seu filho vendido por uma instituição religiosa irlandesa, à qual pertencia, a um casal de americanos. Martin e Philomena agora procurarão pelo filho perdido, após tanto tempo, na distante terra dos EUA, enquanto ele tem de lidar com o comportamento superprotetor dela. Parece qualquer dos muitos filmes produzidos em escala industrial na Hollywood de hoje (poderia ser também na de ontem). Mas o longa se beneficia do roteiro — escrito a quatro mãos por Jeff Pope e pelo próprio Coogan — e da produção majoritariamente inglesa para tentar driblar esse esteriótipo. Funciona em certa medida. O longa lança luz a um curioso questionamento de preceitos e doutrinas católicas, do mal que elas podem acarretar. A problematização está centrada na figura de Sixsmith, ateu convicto, cujo choque com a fé de Philomena produz o núcleo de discussão da obra. Philomena que, apesar de sofrer com as atitudes ferozes da irmã Hildegarde (Jefford, velha; Fleetwood, nova), aceita naturalmente a culpa que lhe é imputada: ter feito sexo antes do casamento, com um desconhecido, e assim ter engravidado. Sua punição, os trabalhos forçados e a perda do filho, são aceitos na medida em que pode suportar. Mas Philomena quer reaver a criança — agora adulta. E para isso, só pode contar com a ajuda investigativa de Sixsmith. Não obstante, ele a questionará, questionará sua religião e sua necessidade por uma. Na persona de Sixsmith, Coogan e Pope depositam o inquérito de fundamento ideológico do longa. E, aproveitando o background político da personagem, inserem uma alfinetada no Partido Republicano estadunidense — partido cuja orientação religiosa dos membros, conservadores, termina por influir em políticas científicas, criminais e, sobretudo, sociais. É uma fina ironia que (spoiler!) descubra-se ter sido o filho de Philomena um membro do Partido Republicano e, ao mesmo tempo, um homossexual. É justamente nesse momento que o longa assume posição crítica aos EUA — na medida em que seu primeiro ato seja um "estudo" sobre a religião predominante na Irlanda, e as consequências disso para a população. Influência, talvez, da parte da produção atribuído à The Weinstein Co.? Se sim, é possível que isso explique também, mais ou menos, o restante das decisões cinematográficas. Algumas delas equivocadas. Frears, não conseguindo manter o equilibrado clima do longa, descamba para o melodrama forçado em pontos chave. Algo corroborado pela melosa e trivial trilha de Alexandre Desplat, pronta para realçar a emoção de qualquer cena. É quando o filme assume sua vertente história de interesse humano — coisa que o próprio Sixsmith define, em uma fala, como coisas para "pessoas vulneráveis, de mente fraca e ignorantes". Em contraste, o diretor utiliza estranhos expedientes de filmes de mistérios no desenvolvimento da trama. Como se a personagem de Sixsmith, ao invés de um jornalista, funcionasse como um detetive à procura de um criminoso, e Philomena uma vítima sobrevivente, buscando justiça. É uma subversão que soaria interessante, se não negasse as proposições dadas às personagens: um jornalista desiludido, e uma mãe idosa. Frears chega ao cúmulo de inteoduzir um clichê final de filmes de detetive, um velho "tudo termina onde começa" que não desce bem para um drama. Mas, se o começo é o fim, e vice-versa, então Philomena começar no interesse humano e acabar no mesmo não é de intenso problema. Não sendo um grande filme, mas sendo simpático o suficiente, é bastante possível que algum verdadeiro interesse humano se desenvolva pelo enredo. A dor de uma mãe, de Philomena Lee, é cara ao Cinema como o são muitas outras dores, e não nos cabe defini-la de imediato como desinteressante. Pelo contrário: tudo se desenvolve no interesse que temos pela vida de outrem. Apenas o sensacionalismo, a exploração desonesta disso é que pode faze-la vida pobre, vazia. Felizmente, Philomena não é assim — embora se aproxime perigosamente da condição. Mais uma vez, não é grande obra. Mas obra decente, eficaz a sua maneira. De interesse humano. |
Nota: 7/10
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