Título original: Entre Nós
Brasil, 2013, 100 min.
Direção: Paulo Morelli, Pedro Morelli
Roteiro: Paulo Morelli, Teo Poppovic
Elenco: Caio Blat, Carolina Dieckmann, Martha Nowill, Maria Ribeiro, Júlio Andrade, Paulo Vilhena, Lee Taylor.
"A serenidade e a vitalidade da nossa juventude baseiam-se em parte no fato de que nós, ao subirmos a montanha, não vermos a morte, pois ela encontra-se do outro lado da encosta."
(Arthur Schopenhauer)
por Leo Bastos
Nota: 10/10
Brasil, 2013, 100 min.
Direção: Paulo Morelli, Pedro Morelli
Roteiro: Paulo Morelli, Teo Poppovic
Elenco: Caio Blat, Carolina Dieckmann, Martha Nowill, Maria Ribeiro, Júlio Andrade, Paulo Vilhena, Lee Taylor.
"A serenidade e a vitalidade da nossa juventude baseiam-se em parte no fato de que nós, ao subirmos a montanha, não vermos a morte, pois ela encontra-se do outro lado da encosta."
(Arthur Schopenhauer)
por Leo Bastos
A juventude traz consigo os mais belos sonhos, regados a uma visão poética e acompanhados da urgência de realizá-los como se hoje fosse o último dia de nossas vidas. Tudo seria perfeito caso não houvesse os acontecimentos seguintes: a fase adulta. Aqui todo encanto perde-se em meio ao caos da “seriedade”, e uma eterna sensação de tempo perdido. Decepcionar essas nossas próprias versões juvenis cheias de esperança se torna o pior dos pesadelos. Entre Nós sintetiza tudo isso através de uma explosão de sentimentos que derivam dos gloriosos momentos de prazer até a mais perversa melancolia compartilhada entre os personagens. Um trabalho humano antes de qualquer coisa. Que de tão real, pode tornar-se uma experiência dolorosa para o espectador que vive da eterna busca pela felicidade, esquecendo-se do misto de alegrias e tristezas que compõe essa brincadeira chamada vida.
Paulo Morelli (Viva Voz e Cidade dos Homens), que além de dirigir brilhantemente ao lado de seu filho Pedro, assina o roteiro que começa acompanhando os inseparáveis amigos Felipe (Blat), Lucia (Dieckmannn), Gus (Vilhena), Silvana (Ribeiro), Cazé (Andrade), Drica (Nowill) e Rafa (Taylor) em um fim de semana de 1992, onde desfrutam de toda plenitude da adolescência. Ambos escrevem e enterram cartas com mensagens que só poderão ser lidas daqui a dez anos. Mas a diversão acaba com a trágica morte precoce de Rafa em acidente de carro, onde Felipe também está, mas consegue escapar a salvo. Depois de um longo tempo de afastamento, o grupo retorna em 2002 ao mesmo lugar para enfim cumprirem o juramento do passado. Buscando refúgios nas saudosas memórias e ainda abalados com sentimento de dor pela perda do amigo, que sempre os seguirá. No primeiro ato os Morellis retratam toda a energia e otimismo daqueles jovens, conferindo um tom mais leve, perceptível desde a extravagância dos movimentos de câmera, que percorre vários ângulos, focando principalmente no rosto do elenco e suas expressões sorridentes e ativas, demonstrando toda a liberdade presente naquele momento. Não deixando de elogiar o papel da fotografia de Gustavo Hadba (que também fez um ótimo trabalho em Meu Pé de Laranja Lima e Faroeste Caboclo), aproveitando-se de toda beleza da luz do dia para criar um clima repleto de cores, alterando sutilmente na transição para o carregado segundo ato, onde os tons mais escuros e a timidez da câmera ilustram todo o ar carregado de culpas, desilusões e medo que acompanham o estado de espírito daquelas pessoas. Vale destacar também as belas cenas noturnas fotografadas por Hadba. Interessantíssimo tanto na construção dos personagens, quanto na dinâmica entre eles. Se aproveitando de todos os tipos de cenas para criar para fazer o público embarcar no universo desses indivíduos. Se nos momentos mais descontraídos entendemos perfeitamente o porquê do prazer que eles têm de ficarem juntos, em outros marcados por discussões envolvendo duras e sofríveis verdades são visíveis o quanto eles se conhecem e tem intimidade para jogar esses fatos na cara da outra pessoa. Nada em que não possamos nos identificar no dia a dia. O escritor Felipe, exibe suas inseguranças na sua preocupação com o tão desejado “sucesso artístico”, uma predominância sobre o que importa de fato, o envolvimento por completo no processo de criação, em que a obra deve ser maior que o próprio autor. Personalidade essa vivida com imensa sensibilidade pelo sempre ótimo Caio Blat, que se destaca a cada momento. Sua esposa Lucia, perambulando por uma tristeza iminente que a cerca, tem os sentimentos da personagem compreendidos pelo público ao simples olhar depressivo de Carolina Dieckmann, que confere toda dor refugiada, ao mesmo tempo uma grande vontade de explodir. Paulo Vilhena também é eficiente ao demonstrar toda a eterna frustração de Gustavo, sempre exibindo o sentimento de impotência diante das coisas, constatado desde o seu olhar envergonhado para a ex-namorada Lucia (interessante a fluidez e sintonia exibida entre o casal no primeiro ato, e agora só a distancia fica visível. Existe coisa mais embaraçosa e triste do que perceber que se tornou um estranho para uma pessoa ao qual já compartilhou tantas afinidades?!) entre por sentir-se responsável pelo fim do relacionamento, até na falha na preparação de um simples almoço para os companheiros. Maria Ribeiro constrói todos os traços de independência de sua Silvana, ao mesmo tempo em que deixa visível sua frustração por certos momentos não vividos. Já Júlio Rocha e Martha Nowill fazem de Cazé e Drica um casal que conseguem exibir o imenso afeto e companheirismo um pelo outro, apesar das diferenças de personalidade, onde ele se mostra o tipo de pessoa que se acha superior aquele mundo que vive, enquanto ela abraça este mesmo mundo de braços abertos. Curioso que apesar da personagem ser talvez a mais animada do grupo, em uma das cenas faz uma revelação que demonstra com grande impacto que nem mesmo os mais sorridentes estão sempre de bem com a vida. E se o sentimento pela perda de Rafa que cerca os personagens durante a projeção é compartilhado pelo público, é porque Lee Taylor em seus poucos minutos em tela conseguiu transmitir todo o espírito carismático do rapaz, amante das artes, enxergava na união daquelas pessoas, no carinho daquela amizade, o maior momento de prazer a ser conquistado por um ser humano. Ainda é de grande prazer identificar metáforas usadas tão bem durante a obra. A mais interessante é a do besouro empacado de costas. Felipe presencia, mas não faz nada pra ajudar. Quando analisado, vemos que Felipe está tão preso àquela situação quanto besouro, e também precisa de alguém para ajudá-lo a sair dessa (situação essa que vocês entenderam vendo o filme). Além da árvore presente ao lado do lugar que as cartas foram enterradas, fazendo um paralelo entre o inevitável processo da natureza. Não posso também deixar de elogiar a montagem inteligente de Lucas Gonzaga (cujo seu trabalho já havia me chamado atenção nos competentes Dois Coelhos e A Busca), que mesmo sendo sempre sucessivo ao conferir agilidade à narrativa, ao mesmo tempo não deixa passar em brancos diálogos importantes que dão intensidade as cenas, e ainda conta com ótimas sacadas nas transições delas. A bela e eficiente trilha sonora de Beto Villares se encaixa perfeitamente nas sequências que são inseridas, colaborando com a emoção derivada. Parabenizando também a magistral canção “Na Asa do Vento” de Caetano Veloso, que encaixa-se de um modo brilhante no enredo. Permitindo não só o relato do contraste frio da poesia adolescente com a maturidade da vida adulta, como também abrindo espaço ao humor, tirando sarro do próprio romantismo e ingenuidade presentes na época, Entre Nós é uma experiência fascinante em todos os aspectos que se propõe. E no fim das contas tem grandes chances de acertar no alvo mais perigoso, as nossas próprias lembranças. |
Nota: 10/10